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Professora, Jornalista, Relações Públicas e Mestre em Comunicação Social. Apaixonada pela comunicação e pelo imaginário humano e cultural.

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Thursday, December 15, 2011

Quando se compõe em Lá menor

Uma forma diferente de falar sobre as adversidades da vida. Nessa narrativa composta pelo meu amigo Rodrigo, um novo olhar sobre a existência e as composições que podemos fazer, de acordo com nosso crescimento. É, esse cara me ensina muito!


Seja você músico ou não, na vida, a gente aprende desde cedo quando se compoe em lá menor. Lá menor é um tom que representa, de maneira subjetiva, a dor da alma, da vida, dos olhos, através de uma sonoridade pesada, pra baixo, triste diriam alguns, mas que faz todo o sentido quando chega seu momento de utilizar. Lá menor encaixa com o presente de natal que a gente não ganhou. Com a visita do melhor amigo que não ocorreu na tarde ensolarada de sábado. Lá menor combina com a fome de se ver televisão, e não se ter tomada para ligar.

Mais tarde, em uma adolescência que promete ter dez anos de festa sem intervalo, você descobre que lá menor combina com o não da pseudo-namorada que, convidada para surgir no mundo real, negou. O lá menor nesta fase da vida combinará com as noites sem amigos para tocar violão, com os campeonatos que se disputará e trarão troféus de terceiro lugar. Com casas que deixamos, para morar em apartamentos frios e sem lembranças de avó. Serão companheiros do lá menor os verões sem praia, as ligações sem retorno, as promessas de quem nunca vai voltar.

Próximo do perído universitário, você poderá utilizar o lá menor ao se formar no colégio, quando, pela última vez, seus colegas lhe darão as costas e, no dia seguinte, não se encontrarão mais na mesma sala, nos mesmos muros pichados, na mesma cantina que se pede um saco de balas e refrigerante. Talvez você use o lá menor nas primeiras cadeiras da universidade que escolheu, relembrando o carinho das professoras da infância, contrastando com a indiferença de professores que não dão importância. Nem a você, nem ao profissional que você será.

Nesta etapa, o lá menor poderá representar o fim de um namoro de longa data, ou de um final de semana alucinante. Da esperança de se ver novamente a menina que o encantou ou do avô que recém saíra do hospital. Talvez nestes anos de semi-maturidade, você use o lá menor como complemento de seu rosto com espinhas, de sua mãe separada, de seu pai que não assistiu nunca sua troca de faixas no judô.

Já adulto, o lá menor é empregado quando você não ganha o aumento que esperava, não passa na seleção para trainees da Gerdau, ou não fecha o contrato que, tinha certeza, não perderia. Você, adulto convicto e formado, usa o lá menor para relembrar, para suportar feridas, para fazer preces que ela cure, tocando Mozart ou Legião Urbana. Tudo é prece na voz de um lá menor.

Você pode ainda acompanhar a tal tonalidade com choros, lágrimas internas e com a descoberta de amigos que não eram. Não eram quem você imaginou, quem você quis, quem você escolheu. Combina ainda com o arranque na corrida que falhou, com as falhas nos cabelos, ou com o primeiro óculos de grau para se enxergar de perto. Combina com um silêncio feito de cansaço, com uma afirmação feita sem convicção, com um aceitar de vida que não se mereceu. Combina com tudo que se quis e não se conseguiu.

Ao chegar o entardecer da vida, talvez seus dedos, já maestros em achar e escutar o tom de lá menor, apliquem o primeiro acorde da harmonia que virá nas saídas de casa dos filhos, em visitas aos domingos, em recortes velhos de um bebê que nunca se teve. Você escreverá em suas páginas dos anos vividos o lá menor quando sua mulher não o achar mais especial, quando seu homem perder a capa de herói, quando seus ídolos forem tocar para outro público ver. E você não receber o convite. Você usará o lá menor quando seu calção de banho lhe parecer estranho e quando nadar perder todo o sentido. Quando o jogo de canastra não for mais competição, quando a sua avó portuguesa não puder mais dizer palavrão, quando sua mãe der indícios de que se muda pela última vez.

Há um lá menor para cada vez em que sua esposa lhe mentir. Para cada vez em que sua alma parecer ingênua demais, cobradora demais, incompatível demais. Há um lá menor para quando você descobrir que não foi o único a ser amado, o único a ser ouvido, o primeiro a ser colocado na lista. Há um lá menor para todos aqueles que não confiam, que deixaram de tentar, que encontraram em uma caverna do seu interior, um local solitário para se machucar. Há um lá menor para quando você receber a notícia de que não é mais a pauta central de alguém, que não é mais quem mais fez esse alguém feliz. Que você não é a melhor piada que alguém já escutou. Você será apenas alguém que passou, e o lá menor usado deve ter uma coloração comum, simples, igual a de todos que não tem face, que não tem tempero, que não possuem marcas para se deixar. O lá menor combinará com você, um ser feito com ingredientes comuns, encontrados em qualquer mercearia.

Você escuta o lá menor mesmo sem tocar quando alguém joga um colar com seu nome dentro fora. Quando você descobre que seu time, para sempre, está desfalcado. Quando sua noite lhe dá medo por parecer ser a noite mais escura de toda a existência. Você escutará o lá menor do uivo de um cão perdido na rua, de um boi que segue para o abate. Você ouvirá no vento que sente saudades da companhia do paraquedista. O lá menor será entoado por pessoas e corações sem pressa do fim já esperado. Por almas que são o próprio lá menor, transformado em carne, alma e pesar.

Você usa o lá menor para quando o xerife da rua vai preso, quando seu cachorro não traz mais a bola, quando seu lar parece um hotel para estrangeiros. A formação do acorde é desenhada nos dedos quando seu time já ganhou tudo que poderia ganhar, quando você não é mais o menor da turma. Quando não é o maior. Quando seus olhos não refletem mais seus sonhos, sua certeza de que vencerá. Lá menor é uma canção feita para que Deus seja sua dupla. E não se afaste mais. Lá menor é tocado quando não há mais programação de rádio, de internet, é quando a única rede que você pode acessar está em uma praia de ilusão. E você não tem permissão de entrar.

O lá menor é a chance de dizer quem perdeu. A vontade de notificar os classificados que uma alma voltou a vitrine. Desta vez só, e só, pelo tempo em que a canção soar e que os acontecimentos, o acaso, o destino, trouxer a modulação certa para um belo e aliviante dó maior.

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